Iniciativas populares espalhadas pelo País lutam para fiscalizar governos municipais, denunciar prefeitos corruptos e aproximar debate centrado em Brasília da população que mais necessita.
Fabio Oliva e Arimatéia Dantas, integrantes
de ONGs de combate à corrupção no País
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BRASÍLIA - Muitas vezes o combate à corrupção não aparece apenas nas salas dos órgãos de controle oficial, como o Ministério Público, a Controladoria-Geral da União, o Tribunal de Contas ou a Polícia Federal. Aliás, é bem longe dessas salas, em cidades diminutas que muitos não sabem nem apontar no mapa, que pessoas comuns, munidas de um engajamento pouco comum, estão mudando a maneira de lidar com a corrupção - aproximando, assim, o debate concentrado em Brasília da população que mais necessita de ações contra os escândalos políticos.
São exemplos como o do mineiro Fábio Oliva e da sua Associação de Amigos de Januária (Asajan), que desde 2004 já derrubou quatro prefeitos da cidade do norte de Minas Gerais - ao todo sete pessoas já ocuparam a cadeira da administração municipal nesse período. Ou do "caminhante" Arimatéia Dantas, um advogado que comanda uma marcha contra a corrupção pelo sertão do Piauí. "Corrupção tem em toda parte", diz Dantas, que participou com Oliva da 15.ª Conferência Internacional Anticorrupção, que começou em Brasília na quarta-feira, 7, e termina neste sábado, 10. "O que temos que fazer é uma força-tarefa popular, porque só o povo está em todo lugar ao mesmo tempo. E é o olho do povo que vai impedir que o roubo aconteça."
A falta de combustível em uma ambulância no percurso entre Januária e Montes Claros deu menos tempo de vida ao pai de Fábio Oliva e desencadeou um processo de mudança. Um AVC e um hospital sem médicos, enfermeiros ou mesmo medicação levaram o patriarca da família Oliva a ter de ser transportado para outro centro de saúde.
Sem profissionais capacitados, ele foi acompanhado por um faxineiro da unidade de saúde. E sem combustível, o motorista da ambulância teve de parar na estrada e ser obrigado a recorrer à família do paciente, que abasteceu o veículo, mas não conseguiu salvar o pai a tempo.
"Meu pai faleceu não apenas por um problema de saúde, mas de corrupção. Ele poderia falecer de qualquer jeito, mas morreria em condições mais dignas, com menos sofrimento, com o correto atendimento", desabafa Fábio Oliva. Revoltados, os irmãos Oliva procuraram ONGs de combate à corrupção e decidiram fundar a Asajan.
No início, a população januarense, intimidada ou simplesmente, desarticulada, apoiou o projeto de forma apenas tímida. Só oito pessoas integraram a diretoria que instituiu a ONG. A primeira apuração da Asajan, no entanto, deu fôlego à caça de políticos. "Nos chamou a atenção alguns itens da licitação de compra de materiais escolares, como seis mil apagadores. Januária tem apenas 120 escolas", conta ele. A investigação levou à descoberta de empresas de fachada e culminou na prisão, em 2006, do ex-prefeito Josefino Lopes Viana (PP), que havia sido cassado em 2004. À época, ele ficou preso apenas seis dias, mas em dezembro do ano passado foi condenado a 6 anos e 11 meses de prisão por desvio e apropriação de recursos públicos federais. O ex-secretário de Finanças Fabrício Viana de Aquino recebeu a pena de 13 anos, 7 meses e 10 dias de detenção pelo envolvimento no escândalo.
Mais do que cassação de outros três prefeitos que fraudaram licitações, pressionaram testemunhas e fizeram propaganda eleitoral irregular, o fruto do trabalho da Asajan, acredita Oliva, é a mudança na mentalidade da população. "Antes da prisão (de Josefino), em 2006, só a nossa ONG apresentava denúncias ao Ministério Público. Hoje, o próprio cidadão criou coragem e começou a tomar conta da administração", explica.
A saga da Asajan não terminou, nem o troca-troca de prefeito de Januária. O atual prefeito, Maurílio Néris de Andrade Arruda (PTC), não se reelegeu em outubro e termina o mandato com seus bens bloqueados pelo Ministério Público. Pesa sobre ele a acusação de cometer irregularidades em repasses de recurso ao Instituto de Previdência de Januária, em 2009. A Justiça estima que Arruda causou um prejuízo de mais de R$ 6 milhões ao município.
Casa em casa. Era dia 23 de julho de 2012 e Arimatéia Dantas concluía mais uma marcha contra a corrupção. Era a 11.ª de sua "carreira". O protesto do advogado cearense, no entanto, não se parece em nada com as grandes manifestações que reúnem milhares de pessoas, a exemplo da 1.ª Marcha da Corrupção, que levou mais de 30 mil pessoas à Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em setembro do ano passado. Ao contrário. Os manifestantes não passaram de dez. "As pessoas não têm coragem de caminhar", diz. A falta de coragem decorre, em grande parte, do esforço exigido na empreitada: pelo menos 100 quilômetros percorridos ao longo de aproximados 15 dias. Em 11 anos da caminhadas-protesto, que ocorrem sempre uma vez por ano, Dantas já percorreu exatos 2.608 km.
O percurso é escolhido com base em apurações prévias de problemas na administração de cidades do interior do Piauí. "Escolhemos as cidades por onde vamos passar, analisando aquelas que têm obras paradas, fraudes em licitações, desvios de verbas", explica. Para isso, a Lei de Acesso à Informação foi fundamental para o grupo, que usa também o Portal da Transparência e relatórios da Controladoria Geral da União (CGU).
Mais do que bater na porta das autoridades municipais, cobrar atitudes e denunciar as irregularidades, o grupo da Força Tarefa Popular - uma iniciativa do próprio Dantas - busca ampliar a rede de fiscalizadores, com dicas de como acompanhar e verificar o andamento da gestão municipal. "As aulas de cidadania, em que ensinamos como fiscalizar e mostramos em um telão as obras que estão pela metade, mudam a visão das pessoas. Não precisamos incentivar um ódio pelo poder público, só mostramos a realidade. O método funciona porque fazemos a população se perguntar porque as coisas não estão certas, e cada uma vai formatando o seu pensamento."
A iniciativa que começou anônima hoje já é conhecida no interior do Piauí. E rendeu melhorias significativas para a vida da população das cidades por onde passou. Calçadas pela metade foram concluídas, bem como ruas que deveriam ser asfaltadas e estavam com obras estagnadas. Escolas precárias ganharam novos equipamentos. "E o mais importante, começa um processo de conscientização contra a injustiça social causada pela corrupção", finaliza Dantas.
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