terça-feira, 26 de junho de 2012

Corrupção: os caminhos da fraude na administração pública do Piauí.


A corrupção é um fenômeno social e de múltiplas facetas. O desvio de dinheiro público, por exemplo, é uma das práticas mais corriqueiras em todas as instâncias do poder. Entretanto, tudo o que se conhece não é o que foi efetivamente roubado dos cofres públicos, mas apenas a fração correspondente ao que foi denunciado, flagrado ou investigado. Se é muito difícil medir com exatidão quanto se rouba, muito mais fácil é saber como se rouba. O desvio clássico é caracterizado pelas fraudes em licitações e superfaturamento de preços.


Nos últimos anos, os mecanismos mudaram, envolvendo operações mais imateriais, como cursos e consultorias - serviços mais difíceis de quantificar em termos monetários. Nesta reportagem, O DIA lista as modalidades de desvio mais comuns no Piauí com base nos relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria Geral da União (CGU).


Em vez de procurar cumprir suas promessas eleitorais em benefício da população, os eleitos usam essas mesmas promessas para empregar amigos e parentes, para favorecer aqueles que colaboraram com suas campanhas ou para privilegiar alguns comerciantes "amigos" em detrimento de outros. Grande parte do orçamento do município é orientado em proveito do restrito grupo que assume o poder municipal e se beneficia dessa situação. De acordo com a Controladoria Geral da União (CGU) no Piauí, uma das estratégias utilizada habitualmente em desvios de recursos públicos se dá por meio de notas fiscais fictícias ou "frias", que são aquelas nas quais os serviços declarados não são prestados ou os produtos discriminados não são entregues.

A burla pode ser feita com as chamadas empresas-fantasmas, ou seja, que inexistem física ou juridicamente. Para isso, é criado um comércio fluente de venda de "notas frias" desse tipo de empresa. Há pessoas especializadas em negociá-las. "Mas a fraude também utiliza empresas legalmente constituídas e com funcionamento normal. Com a conivência dos administradores públicos que são cúmplices, tais empresas vendem ao município produtos e serviços superfaturados, ou recebem contra a apresentação de notas que discriminam serviços não executados e produtos não entregues", explica Orlando Vieira, chefe da CGU no Piauí. 

Assim, tais fornecedoras ou prestadoras de serviço agem mediante acordo pré-estabelecido com o prefeito e/ou seus assessores. As empresas emitem notas fiscais e a prefeitura segue todos os trâmites administrativos de uma compra normal. Quando necessário uma licitação, monta todo o procedimento de forma a dirigir a seleção pública para uma empresa "amiga", dificultando ou impedindo a participação de outras. Depois, dá recibo de entrada da mercadoria, empenha a despesa, emite o cheque e faz o pagamento. Posteriormente, o montante é dividido entre o fornecedor e os membros da administração comprometidos com o esquema de corrupção. 

Segundo a lei n° 8.666/93, estas devem estar "devidamente cadastradas na prefeitura ou atenderem todas as condições exigidas para cadastramento". Para se cadastrarem, há uma série de pré-requisitos que as empresas devem preencher e documentos que precisam apresentar. "No caso de empresas-fantasmas, é impossível que saiam vencedoras de uma licitação sem a participação ou conivência da comissão de licitações. E é muito fácil verificar se uma empresa existe ou não. Por isso, não há justificativa para que essas empresas-fantasmas sejam habilitadas a participar de concorrências", acrescenta Orlando Vieira da CGU. 

Nas licitações, o processo de superfaturamento se dá com cotações de preços dos produtos em valores muito superiores aos de mercado. Nos dois casos, a diferença entre o preço real e o valor superfaturado é dividida entre os fraudadores. "Notas preenchidas com uma quantidade de produtos muito superior àquela realmente entregue é outra maneira de fraudar o processo licitatório", explica Clemente Gomes, secretário geral do TCU no Piauí. Nessa modalidade, os valores cobrados a mais e que constam da nota emitida são divididos entre os "sócios". Diferentemente do superfaturamento de preços, que exige uma combinação entre fornecedores, o superfaturamento de quantidades só depende da conivência de um fornecedor com o pessoal da prefeitura que atesta o recebimento.

Esses tipos de fraude requerem, invariavelmente, a conivência de funcionários da prefeitura - o responsável pelo almoxarifado deve sempre dar quitação do serviço realizado ou da mercadoria entregue e a área contábil tem de empenhar a despesa e pagar as notas, emitindo o cheque correspondente. Quando se trata de serviços técnicos, como por exemplo os de eletricidade, construção civil e hidráulica, a execução deve ser certificada por funcionários capacitados, normalmente um engenheiro ou técnico. Assim, quando há irregularidade, todos são coniventes, mesmo que por omissão. (Mayara Bastos)

Uso de combustíveis sem controle é um dos métodos 

Para o desvio de recursos públicos cria-se uma verdadeira engenharia como forma de dar à corrupção aspectos de legitimidade. Criaram-se métodos mais ou menos padronizados e utilizados com uma certa regularidade nas prefeituras dirigidas por administradores corruptos. Gastos com combustível em quantidade muito superior ao necessário à frota constituem práticas de desvio de recursos muito usuais em certas prefeituras. No consumo de gasolina, diesel e álcool pela frota da prefeitura encontram-se uma das formas mais comuns de fraude contra os recursos públicos. 

"Acontece, principalmente, quando não existe um controle de estoque ou quando o funcionário encarregado de monitorar as entradas e saídas faz parte do esquema de corrupção. Já detectamos casos em que postos e oficinas mecânicas assinam notas em branco. E quando os fiscais chegam ao local verificam que os serviços de manutenção em vez de R$ 8 mil custaram apenas R$ 500", aponta Orlando Vieira da CGU. 

Outra maneira encontrada pelos fraudadores para confundir a fiscalização e evitar que se comprove se determinados serviços foram executados ou não são as notas fiscais de prestação de serviço preenchidas com informações vagas. Geralmente, utilizam-se expressões genéricas e vagas, como: "serviços de eletricidade prestados a ...", ou "manutenção feita no ...", "serviços na praça principal". "Esse tipo de prática não é aceitável, pois qualquer tipo de serviço deve ser discriminado", relata Clemente de Sousa, secretário geral do TCU no Piauí. 

Os almoxarifados são também locais utilizados para uma simulação de desorganização para justificar ou encobrir desvios. No dia a dia não são registradas as entradas e saídas dos produtos adquiridos. Na mesma linha, faltam registros das requisições feitas pelos diversos setores e não há identificação dos responsáveis pelos pedidos. A falta de um controle rígido do estoque, de forma a impossibilitar a apuração do movimento de materiais de consumo nos depósitos das prefeituras, é traço de fraude. 

Corruptos constituem empresas às vésperas de novo mandato

Os órgãos fiscalizadores do Governo já identificaram que nos períodos próximos à mudança de gestão nas prefeituras, os corruptos começam a agir no sentido de implantar os sistemas de corrupção nas administrações futuras. Assim que o prefeito eleito é conhecido, os fraudadores dão início à montagem dos esquemas que serão introduzidos após a posse. Uma das primeiras e mais comuns providências é a criação de empresas, ou de empresas- fantasmas que passarão a fornecer para a prefeitura. 

Para descobrir se alguma firma foi constituída com esse intuito, deve-se fazer um pesquisa na Junta Comercial, levantando os protocolos e as datas de criação dessas empresas. É preciso estar atento para a possibilidade de os sócios serem meros "laranjas", que emprestaram seus nomes para servirem de testas-de-ferro no esquema de corrupção. Os grupos de fraudadores costumam também manter um estoque de empresas "fantasmas" prontas para serem utilizadas.

Outra modalidade de desvios de recursos identificados pelo TCU e CGU são as festas públicas promovidas pela prefeitura ou órgãos públicos. Algumas empresas de eventos, pela própria natureza dos serviços que prestam, têm sido grandes fornecedoras de "notas frias". Isso se deve ao fato de ser difícil checar a veracidade dos cachês dos artistas e da comissão que cabe aos agentes. "Há ocasiões em que as notas desses eventos são superfaturadas e parte do dinheiro volta ao prefeito e à sua equipe", aponta Clemente de Sousa, secretário geral do TCU no Piauí.

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